A degradante rede de comércio sexual que opera nos bairros mais glamourosos de Dubai
- 28/09/2025

Importante: esta reportagem contém descrições de atos sexuais extremos que podem ser perturbadores para alguns leitores. Uma investigação da BBC identificou um homem que administra uma rede de exploração sexual em operação em um dos bairros mais glamourosos de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, explorando mulheres vulneráveis. Charles Mwesigwa afirma ser ex-motorista de ônibus de Londres. Ele contou ao nosso repórter disfarçado que poderia oferecer mulheres para uma festa sexual ao preço inicial de US$ 1 mil (cerca de R$ 5,4 mil) — e que muitas delas podem fazer "praticamente tudo" o que os clientes desejarem. Os rumores sobre festas sexuais em Dubai circulam há anos. Conhecido em Dubai como 'Abbey', Charles Mwesigwa, filmado secretamente pela BBC, declarou que as mulheres que ele oferece têm 'mente aberta' BBC A hashtag #Dubaiportapotty tem mais de 450 milhões de visualizações no TikTok. Ela leva a paródias e supostas exposições de mulheres acusadas de serem influenciadoras em busca de dinheiro, que financiam seu estilo de vida atendendo aos pedidos sexuais mais abusivos. A investigação do Serviço Mundial da BBC concluiu que a realidade é ainda mais sombria. Jovens mulheres de Uganda disseram à reportagem que não esperavam precisar fazer trabalhos sexuais para Mwesigwa. Em alguns casos, elas acreditavam estarem viajando para os Emirados Árabes Unidos para trabalhar em lugares como hotéis ou supermercados. Pelo menos um dos clientes pede regularmente para defecar sobre as mulheres, segundo Mia (nome fictício, para proteger sua identidade). Ela afirma ter sido apanhada pela rede de Mwesigwa. Mwesigwa nega as acusações. Ele diz que ajuda as mulheres a conseguir acomodações junto a proprietários de imóveis e que elas o acompanham às festas, devido aos seus contatos com pessoas ricas em Dubai. Também descobrimos que duas mulheres ligadas a Mwesigwa morreram, depois de caírem de apartamentos em arranha-céus da cidade. Suas mortes foram consideradas suicídios, mas seus amigos e as famílias acreditam que a polícia deveria ter investigado os casos mais a fundo. Mwesigwa afirma que a polícia de Dubai investigou os incidentes e nos pediu para entrarmos em contato com eles, pedindo informações. A polícia não respondeu à nossa consulta até a publicação desta reportagem. 'Parecia um mercado' Uma das mulheres que perderam a vida foi Monic Karungi. Ela chegou a Dubai vindo do oeste de Uganda. Karungi acabou dividindo um apartamento com dezenas de outras mulheres que trabalhavam para Mwesigwa, segundo Keira (nome fictício). Ela conta que morou no local com Karungi em 2022. "[Sua] casa parecia um mercado", conta Keira. "Havia cerca de 50 meninas. Ela não estava satisfeita, porque não era o que ela esperava." Karungi pensava que seu emprego em Dubai seria em um supermercado, segundo sua irmã Rita. "Mwesigwa foi violento quando disse a ele que queria voltar para casa", conta Mia, que também conheceu Monic Karungi em Dubai. Ela afirma que, assim que chegou, Mwesigwa disse que ela já devia a ele US$ 2,7 mil (cerca de R$ 14,5 mil) e que, em duas semanas, a dívida já havia dobrado. "O dinheiro das passagens aéreas, do visto, do lugar para dormir, da comida", conta Mia. "Com isso, você precisa trabalhar muito, muito, muito, implorando para os homens virem e dormirem [com] você." Um parente de Karungi, Michael (nome fictício), conta que, depois de algumas semanas, a jovem devia a Mwesigwa mais de US$ 27 mil (cerca de R$ 144,6 mil). Ele afirma ter recebido mensagens de voz dela chorando. Monic Karungi foi criada com 10 irmãos na zona rural de Uganda BBC Mia nos disse que os clientes eram principalmente europeus brancos, incluindo homens com fetiches extremos. "Há um cliente que defeca nas meninas", ela conta, falando baixo. "Ele defeca e diz para elas comerem o cocô." Outra mulher, Lexi (também, nome fictício) afirma que foi ludibriada por outra rede. Ela repete a história de Mia, destacando que eram frequentes os pedidos de porta potty — o nome desta prática em inglês, que significa literalmente "banheiro portátil". "Houve um cliente que disse: 'pago a você 15 mil dihrams [US$ 4.084, cerca de R$ 21,9 mil] para violentar você em grupo, urinar no seu rosto, bater em você e um adicional de 5 mil dirhams [US$ 1.361, cerca de R$ 7,3 mil]", segundo ela, para gravá-la comendo fezes. Sua experiência a fez acreditar que existe um elemento racial neste fetiche extremo. "Todas as vezes em que disse que não queria fazer aquilo, eles pareciam ficar mais interessados", afirma ela. "Eles querem alguém que chore, grite e corra. E essa pessoa [para eles] deve ser uma pessoa negra." Lexi conta que tentou conseguir ajuda das únicas pessoas que ela achava que poderiam interferir: a polícia. Mas ela afirma que eles responderam: "Vocês, africanos, causam problemas entre si. Não queremos nos envolver." E desligaram. A BBC apresentou esta acusação para a polícia de Dubai, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem. Lexi acabou escapando e voltou para Uganda. Agora, ela ajuda a resgatar e ajudar mulheres em situações similares. A torre Warsan, em Dubai (Emirados Árabes Unidos), de onde Monic Karungi caiu em maio de 2022 BBC Encontrar Charles Mwesigwa não foi fácil. Nós só tínhamos uma fotografia dele online, tirada de costas. Ele também usa diversos nomes nas redes sociais. Mas uma combinação de inteligência de código aberto, pesquisas infiltradas e informações de uma pessoa que fez parte da sua rede nos levou a encontrá-lo em um bairro de classe média em Dubai, chamado Jumeirah Village Circle. Confirmando o que as fontes nos disseram sobre seus negócios (o fornecimento de mulheres para praticar atos sexuais degradantes), a BBC enviou um repórter disfarçado, que se apresentou como organizador de eventos em busca de mulheres para festas luxuosas. Mwesigwa pareceu calmo e confiante ao falar dos seus negócios. Mwesigwa mostrou sua carteira de motorista britânica. Ele afirmou ter trabalhado como motorista de ônibus em Londres. BBC "Temos cerca de 25 meninas", contou ele. "Muitas delas têm mente aberta... elas podem fazer quase tudo." Ele informou o custo, que varia a partir de US$ 1 mil (cerca de R$ 5,4 mil) por mulher, por noite — mas é maior para "coisas loucas". Mwesigwa convidou nosso repórter para uma "amostra de uma noite". Questionado sobre "porta potty" em Dubai, ele respondeu: "Como disse, elas têm mente aberta. Quando digo 'mente aberta'... mandarei as mais malucas que eu tiver." Durante a conversa, Mwesigwa mencionou que era motorista de ônibus em Londres. A reportagem observou evidências de que ele declarou a profissão em um documento oficial no leste de Londres, em 2006. Ele continuou conversando com o repórter da BBC, dizendo que adorava seu negócio atual. "Eu poderia ganhar um milhão de libras na loteria, mas continuaria fazendo", segundo ele. "Virou parte de mim." Troy afirma ter trabalhado como motorista e gerente de operações para Charles Mwesigwa BBC Troy afirma ter trabalhado como gerente de operações para a rede de Mwesigwa. Ele ofereceu mais informações sobre como ela é administrada. Ele conta que Mwesigwa paga seguranças em diversas casas noturnas, para que eles permitam a entrada de suas mulheres em busca de clientes. "Soube de tipos de sexo que nunca vi na vida", segundo ele. "Não importa o que você faça, desde que seus homens ricos fiquem felizes... [as mulheres] não têm escapatória... elas veem músicos, elas veem jogadores de futebol, elas veem presidentes." Mwesigwa conseguiu conduzir esta operação sem problemas, segundo Troy, porque o gerente de operações e outras pessoas não são usados apenas como motoristas. Ele conta que Mwesigwa também usa seus nomes para alugar carros e apartamentos e, por isso, seu nome nunca aparece na papelada. No dia 27 de abril de 2022, Monic Karungi postou uma selfie em Al Barsha, um bairro residencial popular entre imigrantes em Dubai. Quatro dias depois, ela estava morta. Ela viveu no emirado por apenas quatro meses. Mia afirma que Karungi e Mwesigwa discutiam regularmente no período anterior à sua morte. Ela conta que a jovem vinha se recusando a atender às exigências de Mwesigwa e havia encontrado uma forma de sair da sua rede. "Ela havia conseguido algum tipo de emprego", conta Mia. "Ela estava muito animada. Ela pensou que iria se libertar, que iria conseguir sua vida de volta porque, agora, tinha um emprego de verdade, sem dormir com os homens." Karungi se mudou para outro apartamento, a cerca de 10 minutos dali, a pé. E foi da sacada daquele apartamento que ela caiu, no dia 1° de maio de 2022. A última selfie de Monic Karungi, antes de morrer BBC Michael, o parente de Karungi, estava nos Emirados Árabes Unidos na época em que ela morreu. Ele conta que tentou conseguir respostas. A polícia disse a ele que suspendeu a investigação, depois de encontrar álcool e drogas no apartamento de onde ela havia caído. As digitais de Karungi foram as únicas encontradas na sacada, segundo ele. Michael conseguiu um atestado de óbito de Karungi no hospital, mas sem dizer como ela morreu. Sua família não conseguiu obter uma análise toxicológica do corpo. Mas um homem de Gana que morava no mesmo edifício foi mais prestativo, segundo Michael. Ele o levou a outro prédio, para conhecer o homem que, segundo ele, era o patrão de Monic Karungi. Michael descreve a cena ao chegar lá e ver onde as mulheres estavam alojadas. Ele conta que, por trás da fumaça de narguilé na sala de estar, ele pode ver o que parecia ser cocaína sobre a mesa e mulheres tendo sexo com clientes nas cadeiras. Michael afirma que encontrou o homem que havíamos identificado como Charles Mwesigwa na cama com duas mulheres. E, quando ele tentou levá-lo arrastado até a polícia, Mwesigwa respondeu: "Moro em Dubai há 25 anos. Dubai é minha... Você não irá conseguir me delatar... A embaixada é minha, eu sou a embaixada." "[Karungi] não é a primeira a morrer", segundo Michael. "E não será a última." Mia e Keira afirmam terem presenciado esta conversa e ambas confirmaram suas palavras separadamente. Questionado sobre o que ele quis dizer com aquilo, Mwesigwa negou a afirmação. A morte de Monic Karungi traz assombrosas similaridades com a de Kayla Birungi, outra mulher de Uganda que morava no mesmo bairro. Ela morreu em 2021, depois de cair de um apartamento em um arranha-céu de Dubai. Temos evidências que indicam que o imóvel era administrado por Charles Mwesigwa. O número de telefone do seu senhorio, informado à BBC pela família de Kayla, era um dos números de Mwesigwa. Troy também confirmou que Mwesigwa administrava o apartamento, bem como outras quatro mulheres com quem conversamos para esta investigação. Kayla Birungi, outra jovem de Uganda, também morreu ao cair de um arranha-céu em Dubai BBC Os parentes de Kayla Birungi afirmam, como a família de Karungi, terem sido informados que a morte da jovem estava relacionada a álcool e drogas. Mas um relatório toxicológico a que a BBC teve acesso mostra que não foram encontradas substâncias no seu corpo, no momento da morte. A família de Birungi conseguiu repatriar o corpo e realizar seu funeral. Mas os restos de Monic Karungi nunca foram devolvidos. A investigação da BBC concluiu que ela, provavelmente, foi sepultada em um setor do cemitério Al Qusais, em Dubai, chamado "Os Desconhecidos". O local inclui diversas fileiras de túmulos não identificados. Acredita-se que a maioria deles pertença a imigrantes, cujas famílias não conseguiram repatriar os corpos. As duas jovens fazem parte de um caminho clandestino maior, que conecta Uganda ao Golfo Pérsico. Em Uganda, o desemprego entre os jovens vem aumentando. Com isso, mudar-se para trabalhar no exterior, principalmente nos países do Golfo, passou a ser uma enorme indústria. Ela fornece ao país uma receita fiscal de US$ 1,2 bilhão (cerca de R$ 6,4 bilhões) todos os anos. Mas estas oportunidades podem trazer riscos. A ativista ugandense contra a exploração Mariam Mwiza afirma ter ajudado a resgatar mais de 700 pessoas de várias partes do Golfo Pérsico. O luto da família de Monic Karungi, agora, se mistura com o medo de que, se nada for feito, outras famílias possam sofrer a mesma perda que eles tiveram. "Temos casos de pessoas que recebem promessas de trabalho, digamos, em um supermercado", contou ela à BBC. "Depois, [aquela pessoa] acaba sendo vendida como prostituta." A família de Monic Karungi, na zona rural de Uganda, afirma que a ambição da jovem sempre foi de buscar uma vida melhor BBC "Estamos todos vendo a morte de Monic", lamenta Michael, seu parente. "Mas quem cuida das meninas que ainda estão vivas? Elas continuam ali. Ainda sofrem." A BBC pediu a Charles "Abbey" Mwesigwa que respondesse a todas as acusações apresentadas na nossa investigação. Ele negou que conduz uma rede de prostituição ilegal. "São acusações falsas", segundo ele. "Eu disse a você que sou apenas um organizador de festas, que convida pessoas que gastam muito nas minhas mesas. Por isso, muitas garotas se reúnem ali. Isso me faz conhecer muitas meninas e é isso." Ele também declarou que Monic Karungi "morreu com seu passaporte, ou seja, ninguém estava exigindo dinheiro para levá-la. Antes da sua morte, eu não a havia visto por quatro ou cinco semanas." "Conheci [Monic e Kayla] e [elas] alugavam apartamentos com diferentes senhorios", prossegue Mwesigwa. "Se ninguém naqueles apartamentos foi preso, nem nenhum dos senhorios, é porque havia uma razão. A polícia de Dubai investigou os dois acidentes e talvez eles possam ajudá-los." A BBC entrou em contato com a delegacia de polícia de Al Barsha, pedindo para ver os arquivos dos casos de Monic Karungi e Kayla Birungi. Não houve resposta ao nosso pedido, nem às acusações de que as mortes das duas jovens não teriam sido adequadamente investigadas. A BBC também não conseguiu ter acesso a relatórios toxicológicos sobre Monic Karungi, nem conversar com o dono do apartamento onde ela morava quando morreu. Como africana fugiu da prostituição forçada na Dinamarca A polêmica proposta na Escócia de tornar crime pagar por sexo com prostitutas: 'Meu corpo vai virar cena do crime' Forçadas a fazer '15 a 20 programas por dia', brasileiras são resgatadas de rede de exploração em Londres